terça-feira, maio 29, 2007

Dissoi Logoi

90. DISSOI LOGOI (OU DIALEXEIS)

translated by ROSAMOND KENT SPRAGUE

O Dissoi Logoi é um tratado sofístico anônimo, escrito em dialeto dórico em algum momento subseqüente à Guerra do Peloponeso. (Veja 1 (8).)

1. ACERCA DO BEM E DO MAL

(1) Raciocínios duplos são propostos na Grécia, com relação ao bem e ao mal, por aqueles que filosofam. Alguns dizem que boa é uma coisa e ruim outra, mas outros dizem que são o mesmo, e que uma coisa poderia ser boa para algumas pessoas e má para outras, ou em um momento boa e em outro má para a mesma pessoa. (2) De minha parte, concordo com esta última opinião, e passarei agora a examiná-la tomando como exemplo a vida humana e seu interesse por comida, bebida e prazeres sexuais. Estas coisas são prejudiciais ao doente, mas boas a quem é saudável e delas precisa. (3) E mais, a incontinência nestes assuntos é má para o incontinente, mas boa para aqueles que as vendem e delas tiram lucro. E ainda, a doença é má para o doente, mas boa para os médicos, e a morte é má para aqueles que morrem, mas é boa para se encarrega dos funerais e para os coveiros. (4) O cultivo da terra, que produz boa colheita, é bom para os fazendeiros, mas ruim para os mercadores. Igualmente, se os navios dos mercadores quebram, ou são danificados, isto é ruim para o dono do navio, mas é bom para os que os constroem. (5) (E) mais ainda, é bom para o ferreiro que uma ferramenta fique corroída, ou cega, ou que se quebre, mas isto é ruim para todos os demais. E certamente é bom para os ceramistas que a cerâmica se quebre, mas é ruim para todos os demais. E se os sapatos não servirem mais e estragarem, isto é bom para o sapateiro, mas ruim para todos os demais. (6) Considere ainda o caso das várias competições esportivas, musicais e militares: em uma corrida em um estádio, por exemplo, a vitória é boa para o vencedor, mas ruim para os perdedores. (7) O mesmo é verdadeiro para os lutadores e boxeadores, e para todos aqueles que participam de concursos de música. Por exemplo, (a vitória) nas competições dos citaristas é boa para o vencedor, mas ruim para os perdedores. (8) No caso da guerra (e devo mencionar primeiramente os eventos mais recentes) a vitória dos Espartanos sobre os Atenienses e seus aliados foi boa para os Espartanos, mas má para Atenienses e seus aliados. E a vitória dos Gregos sobre os Medos foi boa para os Gregos, mas ruim para os bárbaros. (9) E, ainda, a captura de Ílio foi boa para os aqueus, mas má para os troianos. O mesmo é verdadeiro quanto aos desastres dos Tebanos e dos Argivos. (10) E a batalha entre os Centauros e os Lápitas foi boa para os Lápitas, mas ruim para os Centauros. Mais ainda, a batalha que, segundo se diz, deu-se entre os deuses e os gigantes (resultando na vitória dos deuses) foi boa para os deuses e ruim para os gigantes.— (11) Mas há outro argumento que diz que o bem é uma coisa e o mal é outra, e que, assim como os nomes são distintos, também o são as coisas nomeadas. Eu também faço distinção desse modo: penso que, se bem e mal fossem a mesma coisa e não diferissem um do outro, não saberíamos o que é cada um de fato. Com efeito, tal situação seria extraordinária. (12) Eu penso que quem assim o diz seria incapaz de responder, se lhe perguntassem o que se segue: “Diga-me, seus pais já lhe fizerem algum bem?” Ele responderia: “Sim, bastante.” “Então você deve lhes fazer muito mal, se o bem é realmente a mesma coisa que o mal.” (13) “Bem, então você já fez algo de bom a seus familiares?” (“Sim, bastante.”) “Pois então você estava lhes fazendo o mal. E então, você já prejudicou seus inimigos?“ “Sim, (bastante).” “Se é assim, então você lhes fez o maior bem.”— (14) “Vamos, responda-me isto: não acontece de você se apiedar de mendicantes porque eles padecem de muitos males e, ao mesmo tempo, os considerar sortudos porque vivem muito bem se bem e mal forem de fato a mesma coisa?“ (15) Não há nada que evite o Grande Rei de estar na mesma condição de mendicante. Tudo o que ele possui de bom também é mau, se bom e mau são a mesma coisa. Pode-se dizer o mesmo de todas as coisas. (16) Passo agora a tratar de casos individuais, a começar com o que diz respeito a comida, bebida e prazeres sexuais. Ao doente, estas coisas são (más quando praticadas repetidas vezes) e boas ao mesmo tempo, se bom e mau são o mesmo. E para o doente é um bem e um mal estar adoecido, se bem e mal são a mesma coisa. (17) O mesmo se pode dizer de todos os outros casos mencionados no argumento anterior. E não estou dizendo o que é o bem, mas estou tentando explicar que mal e bem não são o mesmo, mas sim distintos um do (outro).

II. ACERCA DO QUE É DECENTE E DO QUE É INFAME

(1) Raciocínios duplos são também propostos quanto ao decente e ao infame. Alguns dizem que o decente é uma coisa e o infame é outra, e que, assim como os nomes diferem, também são distintas as coisas nomeadas. Outros dizem que o decente e o infame são a mesma coisa. (2) É meu dever esforçar-me para expor a matéria da seguinte forma: por exemplo, é apropriado que um garoto na flor da idade gratifique um amante, mas gratificar qualquer outro que não seja o amante é desonra. (3) E é decente que as mulheres se lavem dentro de casa, mas fazê-lo na palaestra é desonra (embora aos homens seja apropriado fazê-lo na palaestra e no ginásio). (4) E ter um intercurso sexual com um homem em um lugar sossegado, onde estarão ocultos pelas paredes é decente, mas fazê-lo ao ar livre, onde poderão ser vistos, é desonra. (5) E à mulher, ter um intercurso sexual com seu próprio marido é decente, mas fazê-lo com o marido de outra mulher é o que há de mais vergonhoso; e ao homem, ter intercurso sexual com sua própria esposa é decente, mas fazê-lo com a esposa de outro homem é infame. (6) E adornar-se, cobrir-se de pó e usar ornamentos de ouro é desonra em homens, mas decente em mulheres. (7) E é digno fazer o bem aos amigos, mas indigno fazê-lo aos inimigos. E é decente fugir do inimigo, mas vergonhoso fugir de um rival no estádio. (8) Assassinar os amigos e colegas cidadãos é mau, mas matar o inimigo é admirável. Exemplos como estes podem ser dados a respeito de todos os assuntos. (9) Eu prossigo (tratando agora) daquilo que as cidades e os povos consideram infame. Por exemplo: os Espartanos consideram apropriado que as jovens mulheres se exercitem nos esportes e andem com braços nus, sem túnica, mas aos Jônios o mesmo é considerado desonra. (10) E aos (primeiros) é convém que as crianças não aprendam música e escrita, mas aos Jônios é desonra não saber estas coisas. (11) Os Tessálios julgam apropriado que um homem escolha ele mesmo cavalos e mulas de um rebanho e os treine, e também que ele próprio retire um gado do rebanho, mate-o, tire sua pele e o corte, mas na Sicília estas tarefas são impróprias e devidas somente a escravos. (12) Aos Macedônios parece ser decente que mulheres jovens, antes de se casarem, se apaixonem e tenham intercursos sexuais com um homem, mas quando uma jovem se casa, fazer o mesmo é sua desgraça. (mas para os gregos as duas ações são infames.) (13) As jovens da Trácia usam tatuagens como adorno, enquanto para os outros povos as marcas de tatuagem são uma punição por terem feito algo errado. E os Cítios consideram decente àquele que (já) matou um homem, escalpelá-lo e usar o escalpo na fronte de seu cavalo e, tendo enfeitado (ou) revestido o crânio com prata, que beba nele e faça uma libação aos deuses. Entre os Gregos, ninguém desejaria entrar na casa de um homem que fizesse essas coisas. (14) Os Massagetas esquartejam seus pais e os comem, e acham que enterrá-los em seus filhos é a mais bela sepultura jamais imaginada, mas na Grécia, se alguém fizesse algo assim, seria retirado da cidade e padeceria de uma morte ignominiosa por ter cometido um ato tão infame e realizado uma proeza tão terrível. (15) Os Persas consideram que não somente as mulheres, mas também os homens devem se enfeitar, e que os homens devem ter intercurso sexual com suas filhas, mães e irmãs, mas os Gregos entendem que estas coisas são infames e contrárias à lei. (16) E, mais ainda, julgam os Lídios ser conveniente que as jovens primeiramente ganhem dinheiro se prostituindo e então se casem, mas ninguém entre os Gregos desejaria se casar com uma jovem que agisse desta forma. (17) Os Egípcios não consideram apropriadas as mesmas coisas que os outros povos: em nosso país observamos que convém às mulheres bordar e trabalhar (com lã), mas no deles é decente aos homens assim fazer e às mulheres, fazer o que os homens fazem em nosso país. Umedecer a argila com as próprias mãos e moê-la com os pés é considerado digno para eles, mas nós pensamos de outro modo. (18) Eu penso que se alguém ordenar aos homens que façam uma única pilha com tudo que cada um considera indigno e então retire da coleção o que cada um considera digno, nada restaria, mas eles todos dividiriam todas as coisas, porque nem todos os homens são da mesma opinião. (19) Eu devo agora oferecer alguns versos sobre o assunto (TGF 844 a desp. 26):

E se você investigar este caminho, encontrará outra lei para os mortais: nada é sempre digno ou sempre indigno, mas a ocasião certa se apropria das mesmas coisas e as torna indignas e então as transforma novamente em algo digno.

(20) Para resumir, tudo que é feito no momento apropriado é decente e tudo que é feito no momento errado é infame. Com que então eu tenho trabalhado? Eu disse que mostraria que as mesmas coisas são tanto decentes quanto infames, e o fiz em todos os casos que mencionei. — (21) Mas há também um argumento a respeito do indigno e digno que sustenta que ambos são distintos, uma vez que, se alguém perguntar aos que afirmam que a mesma coisa é tanto infame quanto decente, se eles já fizeram algo que pudesse ser considerado decente, eles teriam de admitir que também já fizeram algo que possa ser considerado infame, se o infame e o decente forem sinônimos. (22) E se julgassem um homem bonito, este mesmo homem seria também feio. E se conhecessem um homem que seja branco, o mesmo homem teria de ser também negro. Seria digno honrar os deuses e, ao mesmo tempo, indigno honrar os deuses, se o digno e o indigno forem sinônimos. (23) Nós podemos aceitar que fiz as mesmas observações em absolutamente todos os casos. Devo agora e examinar o argumento apresentado. (24) Se é decente que uma mulher se enfeite, é infame que ela se enfeite, se o decente e o infame forem a mesma coisa. E todos os outros casos podem ser tratados da mesma forma. (25) Se na Lacedemônia convém que as garotas se exercitem nos esportes, na Lacedemônia é desonra que as garotas se exercitem nos esportes, e assim por diante. (26) E eles dizem que se um grupo de pessoas recolher de todas as nações do mundo os costumes que consideram infames e então reunisse todos os homens e pedisse a cada um para selecionar o que ele julga ser digno, tudo seria removido como pertencente às coisas que são dignas. Eu ficaria surpreso se as coisas que eram consideradas indignas quando eles as selecionaram se tornassem dignas e não o que eram quando as removeram. (27) Se as pessoas tivessem trazido cavalos ou vacas, ovelhas ou homens, elas não teriam removido nada mais. Se tivessem trazido ouro, não removeriam latão e, se tivessem trazido prata, não removeriam chumbo. (28) Então como poderiam retirar da coleção coisas dignas em lugar de coisas indignas? Com efeito, não poderiam. Se alguém tivesse trazido um (homem) feio, ele levaria um que fosse bonito? Eles dão como testemunhas os poetas — (que) escrevem para dar prazer, e não em benefício da verdade.

III. ACERCA DO JUSTO E DO INJUSTO

(1) Raciocínios duplos são propostos quanto ao justo e ao injusto. Alguns dizem que o justo é uma coisa e o injusto é outra, e outros que o justo e o injusto são a mesma coisa. E devo tentar apoiar os últimos. (2) Primeiramente, devo argumentar que é justo mentir e enganar. Meus oponentes declarariam que é (certo e justo) fazer estas coisas ao inimigo, mas é infame e perverso quando se trata (dos amigos). (Mas como pode ser justo agir assim com os inimigos) e não com os amigos mais chegados? Veja o exemplo dos pais: supondo que o pai ou a mãe de alguém tenha de tomar um remédio e não deseja fazê-lo. Não seria justo ministrar o remédio em um caldo, ou na bebida, e negar que ele foi misturado ao alimento? (3) Assim, com este exemplo, vemos que é (justo) mentir e enganar os pais. E, com efeito, roubar os pertences de um amigo e usar a força contra os entes mais queridos é justo. (4) Por exemplo, se um familiar estiver mergulhado em tristeza ou perturbação e pretender destruir a si mesmo usando a espada ou a corda, ou alguma outra coisa, é certo roubar estes objetos, se possível e, se chegarmos um pouco tarde e o encontrarmos com o objeto em suas mãos, não será correto arrancá-lo à força? (5) E como não seria justo escravizar os inimigos e vender uma cidade inteira como escrava se for capaz de capturá-la? E destruir edifícios públicos para invadi-los parece ser justo. Pois, se o pai de alguém for aprisionado e estiver sentenciado à morte como conseqüência de ter sido derrotado por seus rivais políticos, então não será justo abrir caminho através da parede para remove-lo de seu cativeiro sorrateiramente e então salvá-lo? (6) E o que se pode dizer de quebrar um juramento? Supondo que um homem seja capturado pelo inimigo e faça um juramento firme de trair sua cidade se o deixarem livre: este homem agindo corretamente se mantivesse o juramento? (7) Eu não penso desta forma. É preferível que ele salve a cidade, os amigos e os templos de pais cometendo perjúrio. Segue-se, pois, que é certo quebrar um juramento. E é correto pilhar um templo. (8) Não me refiro a templos civis, mas a estes comuns em toda a Grécia, tais como aqueles em Delfos e Olímpia: quando os bárbaros estavam a ponto de conquistar a Grécia, e a salvação da cidade residia nos recursos dos templos, não foi correto se apropriar deles e usá-los na guerra? (9) E assassinar o mais próximo e mais querido é correto: no caso de Orestes e de Alcmaeon, mesmo o deus responderia que eles estavam certos ao agir como agiram. (10) Eu devo agora tratar dos escritos dos poetas. Nos dramas escritos e na pintura, quem mais engana ao criar coisas semelhantes às verdadeiras é o melhor. (11) Eu quero também apresentar o testemunho da poesia antiga, de Cleobulina, por exemplo (fr. 2 ALG I 47):

Eu vi um homem roubar e enganar com violência,
E assim fazer, com violência, é justo.

(12) Estas linhas foram escritas há muito tempo. As passagens seguintes são de Ésquilo (fr. 301, 302):

Deus não se mantém distante do justo engano,

(e)

Há momentos em que os deuses respeitam uma ocasião de mentir.

(13) Mas a isto, também, um argumento oposto se apresenta: que o justo e o injusto são coisas diferentes, e que, do mesmo modo que os nomes diferem, também diferem as coisas nomeadas. Por exemplo, se alguém perguntasse àqueles que dizem que o injusto e o justo são a mesma coisa se eles foram justos com seus pais, eles diriam que sim. Mas então eles foram também injustos, se admitem que justo e injusto são o mesmo. (14) Considere ainda um outro caso: se você conhece algum homem que é justo, então este mesmo homem será também injusto. Novamente, se você conhece um homem que é bastante alto, ele também será baixo, pelo mesmo argumento. E (se) a sentença é pronunciada, “Que ele morra por ter cometido tantas injustiças,” então que morra por ter (sido tão justo). (15) Já há o bastante sobre esse tópico. Devo agora passar para o que se diz daqueles que alegam poder provar que o justo e o injusto são a mesma coisa. (16) Afirmar que roubar as posses do inimigo é justo significaria também demonstrar que a mesma ação é injusta, se o argumento é verdadeiro, e assim sucede nos demais casos. (17) Passemos então às artes, às quais o justo e o injusto não se aplicam. Os poetas escrevem seus poemas para proporcionar prazer, e não em benefício da verdade.

IV. ACERCA DO VERDADEIRO E DO FALSO

(1) Raciocínios duplos são propostos também no que concerne ao verdadeiro e ao falso, em relação aos quais se diz que um é o enunciado falso e outro é o verdadeiro, enquanto outros afirmam que enunciados verdadeiros e falsos não se diferenciam. (2) Eu sustento a última posição. Antes de mais nada, porque ambos são expressos usando-se as mesmas palavras. Em segundo lugar, porque sempre que uma proposição é enunciada, se as coisas são conforme o que se afirma delas, então o enunciado é verdadeiro, mas se as coisas não são como se afirma que sejam, o mesmo enunciado é falso. (3) Supondo uma afirmação sobre certo homem roubar objetos sagrados dos templos: se isto de fato aconteceu, a proposição é verdadeira, mas, se não aconteceu, então é falsa. O mesmo argumento é usado por alguém que se defenda contra uma acusação desta natureza. E o tribunal julga se a mesma afirmação é verdadeira ou falsa. (4) Novamente, supondo que nós estejamos todos sentados, em fila, e cada um diga, “Eu sou um iniciado.” Nós todos falamos as mesmas palavras, mas eu seria a única pessoa a dizer a verdade, já que sou o único que de fato o é. (5) Fica, pois, claro, destas observações, que o mesmo enunciado é falso sempre que a falsidade estiver presente nele e é verdadeira quando a verdade estiver presente (da mesma forma que um homem é o mesmo quando é criança, jovem, adulto e velho).
(6) Mas também se diz que um enunciado falso é uma coisa e um enunciado verdadeiro é outra coisa, e que, como os nomes diferem, (o mesmo se dá com a coisa nomeada). Pois, se alguém devesse perguntar àqueles que dizem que o mesmo enunciado é tanto falso quanto verdadeiro se seu próprio enunciado é verdadeiro ou falso, eles dirão que é “falso”. Logo, é evidente que o verdadeiro e o falso são coisas diferentes, posto que, se responderem “verdadeiro”, então o mesmo enunciado é também falso. E se alguém afirma ou está é testemunha de que certas coisas são verdadeiras, então estas mesmas coisas serão também falsas. E se ele sabe que algum homem é verdadeiro, então ele sabe que o mesmo homem é também falso. (7) Como conclusão do argumento, eles dizem que se uma premissa é aceita, a afirmação emitida é verdadeira, mas se não, então a afirmação é falsa. Se é assim, (a diferença nestes casos não está no nome, mas na coisa nomeada. (8) E), novamente, (se devêssemos perguntar) aos jurados o que eles estão julgando (porque eles não estão presentes aos eventos que julgam), (9) até mesmo eles concordariam que aquilo em que há falsidade é falso, e aquilo em que há verdade é verdadeiro. Isto faz toda a diferença. ...

V. (SEM TÍTULO)

(1) “O demente e o são, o sábio e o tolo, dizem e fazem as mesmas coisas. (2) Em primeiro lugar, porque dão os mesmos nomes às coisas, tais como ‘terra’, ‘homem’, ‘cavalo’, ‘fogo’ e tudo o mais. E também fazem as mesmas coisas: sentam-se, comem, bebem, deitam-se, e assim por diante. (3) Além do mais, a mesma coisa é maior e menor, mais e menos, mais pesada e mais leve. Conseqüentemente, todas as coisas são as mesmas. (4) Um talento é mais pesado que uma mina e mais leve que dois talentos; assim, a mesma coisa é ao mesmo tempo mais pesada e mais leve. (...) (5) Igualmente o mesmo homem está vivo e não está vivo, e as mesmas coisas são e não são: as coisas que estão aqui não estão na Líbia, nem as coisas que estão na Líbia estão em Chipre. O mesmo argumento serve a outros casos. Conseqüentemente, as coisas tanto são quanto não são.” (6) Aqueles que dizem estas coisas (que o demente o sábio e o tolo fazem e dizem o mesmo) e mantém as outras conseqüências do argumento estão enganados. (7) Pois, se você perguntar a eles se loucura é diferente de senso, ou a sabedoria da tolice, eles responderão que “sim.” (8) Pois todos tornam claro com suas ações que concordarão. Assim, se eles fazem as mesmas coisas, o demente será sábio e o sábio será demente, e tudo será lançado em confusão. (9) Devemos ainda trazer à baila a pergunta se quem fala no momento certo é o demente ou o sábio, pois sempre que alguém fizer essa pergunta eles responderão que os dois grupos dizem as mesmas coisas, mas que o sábio fala no momento certo, e o demente fala no momento errado. (10) Assim dizendo, eles parecem estar fazendo um pequeno acréscimo, “(o) momento certo” ou “o momento errado,” para que a situação não seja mais a mesma. (11) Eu, todavia, penso que as coisas não se alteram com um acréscimo tão pequeno, embora possam ser alteradas por uma mudança na acentuação, por exemplo: Glaukos (“Glaucus”) e gláuκόs (“branco”), ou xánthós (“Xanthus”) e Csánthós (“loiro”), ou Xouthós (“Xuthus”) e csοythós (“ágil”). (12) Estes exemplos diferem-se entre si por uma mudança na acentuação. Os seguintes, por serem pronunciadas com uma vogal longa ou curta: Tyros (“Tiro”) e tyros (“queijo”), sákos (“escudo”) e sákós (“sebe”). Outros, ainda, diferem por uma mudança na ordem das letras: κártos (“força”) e κratós (“da cabeça”), όnos (“asno”) e nous (“mente”). (13) Se há tão grande diferença nos casos em que nada é tirado, como ficam aqueles casos em que se acrescenta ou tira algo? Eu devo demonstrar no exemplo seguinte a que eu me refiro. (14) Se retirarmos um de dez, (ou acrescentarmos um a dez), o resultado não será mais dez ou um, e assim por diante. (15) Com respeito à asserção de que o mesmo homem é e não é, eu pergunto: “Ele existe com respeito a uma coisa particular, ou apenas no geral?“ Então se alguém nega que o homem exista, está enganado, porque ele está tratando (o particular e) o universal como tendo o mesmo sentido. Porque tudo existe em algum sentido.

VI. DA SABEDORIA E DA VIRTUDE, SE PODEM SER ENSINADAS

(1) Um certo enunciado, nem verdadeiro, nem novo, é proposto: que a sabedoria e a virtude não podem ser nem ensinadas, nem aprendidas. Aqueles que assim o dizem apresentam as seguintes provas: (2) Que não é possível que, ao dar algo a alguém, quem o dê ainda o retenha; isto é uma prova. (3) Outra prova diz que, se virtude e sabedoria podem ser ensinadas, teria havido professores reconhecidos, como é o caso da música. (4) Uma terceira prova diz que os homens da Grécia que se tornaram sábios teriam ensinado sua arte a seus amigos. (5) Uma quarta prova afirma que, anteriormente, foram ter com os sofistas para aprender com eles e não obtiveram nenhum benefício. (6) Uma quinta prova diz que muito que não se associaram aos sofistas se tornaram homens notáveis. (7) Mas penso que esta afirmação é bastante simplória: eu sei que os professores ensinam as letras, as primeiras coisas que eles sabem, e que tocadores de lira ensinam a tocar lira. Em resposta à segunda prova, de que não há de fato professores reconhecidos, o que mais os sofistas ensinam, senão sabedoria e virtude? (8) E quais foram os seguidores de Anaxágoras e Pitágoras? Com respeito ao terceiro ponto, Policleito ensinava seu filho a ser um escultor. (9) E mesmo se um homem em particular não ensinou, isto não prova coisa alguma, mas se um único homem ensinou, isto já seria evidência de que o ensino é possível. (10) Com respeito ao quarto ponto, de que alguns não se tornaram sábios a despeito de terem se associado aos sofistas, muitas pessoas também não foram bem sucedidas em aprender as primeiras letras, apesar de tê-las estudado. (11) Existe também uma inclinação natural por meio da qual uma pessoa que não estuda com os sofistas se torna competente, se for talentosa, dominando facilmente a maior parte das coisas depois de ter aprendido uns poucos rudimentos com as várias pessoas de quem também aprendemos a nossa língua. E quanto à nossa língua, um homem aprende mais com seu pai e um pouco com sua mãe, e outro aprende de outro modo. (12) E se alguém não estiver persuadido de que aprendemos nossa língua, mas acha que nascemos sabendo, deixe-o formar um julgamento com o que se segue: se alguém enviasse uma criança aos Persas tão logo nascesse e a trouxesse de volta, sem que tivesse ouvido coisa alguma da língua grega, ela falaria o persa. E se alguém trouxesse uma criança persa para cá, ela falaria o grego. Nós aprendemos nossa lingual deste modo, e não sabemos quem são nossos professores. (13) Assim, meu argumento está completo, e você o tem no começo, meio e fim. E eu não digo que a sabedoria e a virtude possam ser ensinadas, mas sim que estas provas não me satisfazem.

VII. (SEM TÍTULO)

(1) Alguns dos oradores populares dizem que os ofícios deveriam ser designados por sorteio, mas esta opinião não é a melhor. (2) Supondo que alguém perguntasse a quem assim o diz o que se segue: Por que você não distribui as tarefas dos escravos de sua casa por sorteio, de tal forma que o se o gerente ficar com o ofício do cozinheiro, ele deverá cozinhar, enquanto o cozinheiro deverá comandar a equipe, e assim com os demais? (3) E por que não reunimos os ferreiros e sapateiros, e os carpinteiros e ourives, e distribuímos suas funções por sorteio, e forçamos cada um a se engajar no que quer que lhe tenha sido designado pela sorte, e não naquele ofício que domina? (4) O mesmo poderia ser dito quanto aos concursos de música: os concorrentes tiram a sorte e cada um irá competir naquilo que lhe foi designado pela sorte; desta feita, aquele que toca flauta tocará a lira se é o que lhe coube no sorteio, e o que toca lira, tocará flauta. E na batalha pode acontecer de arqueiros e hoplitas cavalgarem e os cavaleiros usarem o arco, resultando na situação em que todos fariam o que não entendem e não são capazes de fazer. (5) E dizem que este procedimento não somente é bom, mas excepcionalmente democrático, entretanto eu penso que não há nada de democrático nisto, porque há na cidade homens hostis ao demos, e se o sorteio caísse em suas mãos, eles destruiriam o demos. (6) Mas o demos deve manter-se de olhos abertos e eleger todos aqueles que têm boa vontade para com ele, escolhendo pessoas adequadas para estar no comando do exército e outros para cuidar dos assuntos legais, e assim por diante.

VIII. (SEM TÍTULO)

(1) Penso que pertence ao (mesmo homem) e à mesma arte ser capaz de discursar em estilo breve, compreender (a) verdade das coisas, saber submeter-se a dar um julgamento correto nos tribunais, ser capaz de fazer discursos públicos, compreender a arte da retórica e ensinar o que concerne à natureza de todas as coisas, seu estado e como vêm a ser. (2) Antes de mais nada, como não seria possível a um homem que conheça a natureza das coisas, agir corretamente em cada caso e (ensinar a cidade) a assim proceder também? (3) E mais, o homem que domina a arte da retórica também saberá falar com propriedade sobre qualquer assunto. (4) Porque é necessário ao homem que pretenda discorrer com propriedade sobre as coisas que as conheça, segue-se que ele saberá tudo. (5) Isto se justifica pelo fato de que ele conhece a arte de todas as formas de discurso, e todas as formas de discurso têm como matéria tudo que . (6) É necessário ao homem que pretenda falar com propriedade ter conhecimento do que quer que ele possa discorrer a respeito, e dar à cidade instrução correta ao fazer boas coisas e, portanto, evitar fazer o que é mal. (7) Se ele conhece estas coisas, ele também conhecerá aquelas que diferem destas, porque saberá tudo. Pois as mesmas coisas são elementos de tudo que há, e (um homem) confrontado com a mesma coisa fará o que é necessário se a ocasião exigir. (8) E se ele sabe tocar flauta, ele sempre será capaz de tocar flauta, sempre que isto se fizer necessário. (9) E a um homem que sabe como julgar é necessário ter uma compreensão correta do justo, porque é isto que diz respeito a estes casos. E se ele conhece o que é justo, ele também conhecerá o seu oposto, e as coisas que diferem . (10) É igualmente necessário que ele conheça todas as leis; se não sabe o que acontece, ele também não será conhecedor das leis. (11) O mesmo homem que conhece as regras da música é alguém que conhece música. Mas, se se ele não conhece música, ele não conhecerá suas regras. (12) Se um homem (entretanto) conhece a verdade das coisas, segue-se necessariamente que ele conhece tudo; (13) e assim também é (capaz de discorrer) brevemente sobre todos os assunto, (sempre que) tiver de responder a perguntas. Conseqüentemente, deve saber tudo.

IX. [SEM TÍTULO]

(1) A maior e melhor descoberta é a da memória; é útil para tudo, para a sabedoria tanto quanto para a condução da vida. (2) Este é o primeiro passo: se você concentrar sua atenção, sua mente, progredindo por estes meios, perceberá mais. (3) O Segundo passo é praticar o que ouvir: se você ouvir as mesmas coisas muitas vezes e repeti-las, o que tiver aprendido se apresentará à sua memória como uma totalidade por associação. (4) O terceiro passo é: sempre que aprender algo novo, associe-o com o que já sabe. Por exemplo, supondo que você precise se lembrar do nome “Crisipo.” Você deve associá-lo com chrusos (“ouro”) e hippos (“cavalo”). (5) Ou outro exemplo: se você precisar se lembrar do nome “Pirilampo,” você deve associá-lo com pyr (“fogo”) e lampein (“brilhar”). Estes são exemplos para palavras. (6) Tratando-se de coisas, faça o seguinte: se quiser se lembrar de coragem, pense em Ares e Aquiles; ou em metalurgia, de Hefaístos; ou covardia, de Epeios...